domingo, 31 de maio de 2009

Ocaso

(Imagem: Milo Manara)

sem vênia
a mão lúbrica
de veludo afago
transgride.
o úmido beijo
sorve a lágrima
debela a ânsia.
desejo
ardor
volúpia.
Regalos
sobrescrito amor
(à cor do lápis).
tempestade
descaso
olvido.
declina a árvore
demuda temporão o fruto
verte a letra
do verso arco-íris
pálido laivo no céu da pele.
ocaso.


Inês Mota

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Fogo

Imagem:(Salvador Dalí)


Eu prazer
êxtase
líquida
me aparto de mim
a me esvair
mar salgado
ardo
busco
invado
o teu braço de rio
peito de relva
dedos de areia
pele de boto
tua várzea boca
eu
ávida onda
nacarada concha
sargaço
maresia
maré cheia
te arranco do leito
margens
corredeiras
sorvo teu beijo
tua água doce
dormimos nós
acordamos mangue.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Táctica y estrategia - Mario Benedetti

Chagall

Mi táctica es mirarte
aprender como sos
quererte como sos
mi táctica es hablarte
y escucharte
construir con palabras
un puente indestructible
mi táctica es
quedarme en tu recuerdo
no sé como, ni sé
con qué pretexto
pero quedarme en vos.
Mi táctica es ser franca
y saber que sos franco
y que no nos vendamos simulacros
para que entre los dos no hayan telón
ni abismos.
Mi estrategia es en cambio más profunda y más simple,
mi estrategia es;
que un día cualquiera
ni sé cómo, ni sé
con que pretexto por fin me necesites.


segunda-feira, 18 de maio de 2009

Tristezas da lua - Charles Baudelaire

(Tarsila do Amaral)


Divaga em meio à noite a lua preguiçosa;
Como uma bela, entre coxins e devaneios,
Que afaga com a mão discreta e vaporosa,
Antes de adormecer, o contorno dos seios.

No dorso de cetim das tenras avalanchas,
Morrendo, ela se entrega a longos estertores,
E os olhos vai pousando sobre as níveas manchas
Que no azul desabrocham como estranhas flores.

Se às vezes neste globo, ébria de ócio e prazer,
Deixa ela uma furtiva lágrima escorrer,
Um poeta caridoso, ao sono pouco afeito,

No côncavo das mãos toma essa gota rala,
De irisados reflexos como um grão de opala,
E bem longe do sol a acolhe no seu peito.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Dedução - Vladimir Maiakovski

(Oskar Kokoschka)

Não acabarão com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço o juramento:
Amo
firme,
fiel
e verdadeiramente.

domingo, 10 de maio de 2009

Objetos perdidos - Julio Cortázar

(Jean Auguste Dominique Ingres)


Por veredas de sueño y habitaciones sordas
tus rendidos veranos me acechan con sus cantos.
Una cifra vigilante y sigilosa
va por los arrabales llamándome y llamándome,
pero qué falta, dime, en la tarjeta diminuta
donde están tu nombre, tu calle y tu desvelo,
si la cifra se mezcla con las letras del sueño,
si solamente estás donde ya no te busco.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Tua mão em mim - Marina Colasanti

(Boris Vallejo)

Você me acorda no meio da noite
e eu que navegava tão distante
cravada a proa em espumas
desfraldados os sonhos
afloro de repente entre as paradas ondas dos lençóis
a boca ainda salgada mas já amarga
molhada a crina
encharcados os pêlos
na maresia que do meu corpo escorre.
Cravam-se ao fundo os dedos do desejo.
A correnteza arrasta.
Só quando o primeiro sopro escapar
entre os lábios da manhã
levantarei âncora.
Mas será tarde demais.
O sol nascente terá trancado o porto
e estarei prisioneira da vigília.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Cantiga para não morrer - Ferreira Gullar

(Sorayama)

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

(Sorayama)

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.