quinta-feira, 30 de julho de 2009

INSTANTE - Carlos Drummond de Andrade

(Imagem: Frida Kahlo)

Uma semente engravidava a tarde.
Era o dia nascendo, em vez da noite
Perdia amor seu hálito covarde,
e a vida, corcel rubro, dava um coice,

mas tão delicioso, que a ferida
no peito transtornado, aceso em festa,
acordava, gravura enlouquecida,
sobre o tempo sem caule, uma promessa.

A manhã sempre sempre, e dociastuto
seus caçadores a correr, e as presas
num feliz entregar-se, entre soluços

E que mais, vida eterna, me planejas?
0 que se desatou num só momento
não cabe no infinito, e é fuga e vento.

terça-feira, 21 de julho de 2009

El amor al desperdirse - César Moro (Viaje hacia la noche)

(Imagem: Dürer)

El amor al despedirse dice: sueña conmigo
el sueño es una bestia huraña
que hace revolverse los ojos con la respiración
entrecortada pronunciar tu nombre
con letras indelebles escribir tu nombre
y no encontrarte y estar lejos y salir dormido
marchar hasta la madrugada a caer en
el sueño para olvidar tu nombre
y no ver el día que no lleva tu nombre
y la noche desierta que se lleva tu cuerpo



domingo, 19 de julho de 2009

Poema Erótico - Manoel Bandeira

(Imagem: Martin Iman)
Teu corpo claro e perfeito,
Teu corpo de maravilha,
Quero possuí-lo no leito
estreito da redondilha...

Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa... flor de laranjeira...
Teu corpo, branco e macio,
é como um véu de noivado...

Teu corpo é pomo doirado...
Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume
Teu corpo é a brasa do lume

Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes...
É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama...
Volúpia de água e da chama...

A todo o momento o vejo...
Teu corpo...a única ilha
No oceano do meu desejo...

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Una carta de amor - Julio Cortázar

(Imagem: Milo Manara)
Todo lo que de vos quisiera
es tan poco en el fondo
porque en el fondo es todo,

como un perro que pasa, una colina,
esas cosas de nada, cotidianas,
espiga y cabellera y dos terrones,
el olor de tu cuerpo,
lo que decís de cualquier cosa,
conmigo o contra mía,

todo eso es tan poco,
yo lo quiero de vos porque te quiero.

Que mires más allá de mí,
que me ames con violenta prescindencia
del mañana, que el grito
de tu entrega se estrelle
en la cara de un jefe de oficina,

y que el placer que juntos inventamos
sea otro signo de la libertad.




segunda-feira, 6 de julho de 2009

Aurora - Arthur Rimbaud

(Imagem: Salvador Dali)
Tive nos braços a aurora de verão.
.......... Nada se movia ainda na fachada dos palácios. A água estava morta. Os campos de sombras não deixavam o caminho do bosque. Caminhei, despertando as respirações vivas e tépidas; e as pedrarias olharam, e as asas se levantaram sem ruído.
.......... O primeiro acontecimento foi, no atalho já pleno de fulgores frescos e pálidos, uma flor que me disse seu nome.
.......... Ri à loura cascata que desceu desgrenhada através dos pinheiros; pelo cimo prateado reconheci a deusa.
.......... Então levantei, um a um, os véus. Na alameda, agitando os braços. Na planície, onde a denunciei ao galo. Na grande cidade, ela fugia entre os campanários e as cúpulas e, correndo como um mendigo sobre os cais de mármore, eu a perseguia.
.......... No alto da estrada, perto de um bosque de loureiros, eu a cingi com seus véus amontoados, e senti um pouco seu imenso corpo. A aurora e a criança caíram na orla do bosque.
.......... Quando acordei, era meio-dia.