quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Dançarina Espanhola - Rainer Maria Rilke

(Imagem: Desconheço autoria)

Como um fósforo a arder antes que cresça
a flama, distendendo em raios brancos
suas línguas de luz, assim começa
e se alastra ao redor, ágil e ardente,
a dança em arco aos trêmulos arrancos.

E logo ela é só flama, inteiramente.

Com um olhar põe fogo nos cabelos
e com a arte sutil dos tornozelos
incendeia também os seus vestidos
de onde, serpentes doidas, a rompê-los,
saltam os braços nus com estalidos.

Então, como se fosse um feixe aceso,
colhe o fogo num gesto de desprezo,
atira-o bruscamente no tablado
e o contempla. Ei-lo ao rés do chão, irado,
a sustentar ainda a chama viva.
Mas ela, do alto, num leve sorriso
de saudação, erguendo a fronte altiva,
pisa-o com seu pequeno pé preciso.

(Tradução: Augusto de Campos)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Certa Mulher - Murilo Mendes

(Imagem: Kenvin Rolly)

A linha do horizonte
Passa pelos teus cílios
Tua fonte a inquietação murmura

A alta lâmpada do templo balançou
Porque não brincaste nunca mais com o arco
Nos lânguidos terraços.

A onda vai e volta
Na esperança de te ver
O trevo de quatro folhas
Achou-te.
Estrelas gêmeas suspiram.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Si mis manos pudieran deshojar - Federico García Lorca

Yo pronuncio tu nombre
En las noches oscuras
Cuando vienen los astros
A beber en la luna
Y duermen los ramajes
De las frondas ocultas.
Y yo me siento hueco
De pasión y de música.
Loco reloj que canta
Muertas horas antiguas.


Yo pronuncio tu nombre,
En esta noche oscura,
Y tu nombre me suena
Más lejano que nunca.
Más lejano que todas las estrellas
Y más doliente que la mansa lluvia.


¿Te querré como entonces
Alguna vez? ¿Qué culpa
Tiene mi corazón?
Si la niebla se esfuma
¿Qué otra pasión me espera?
¿Será tranquila y pura?
¡¡Si mis dedos pudieran
Deshojar a la luna!


sábado, 5 de setembro de 2009

Achada de Sonhos - Virgilio Brandão

(Imagem: Milo Manara)

Enquanto espero o paroxismo da febre de ti,
a tarde percorre os brincos e os aromas pétreos
legados — «Se tu viesses ver-me hoje à tardinha»,
diz ela com a voz de poeta, ataviada de jasmins.

Não há hora que não seja assim,
sonho que não crave de mel as memórias
— Oh! Porque as dores ressuscitam
e o amor e as pessoas envelhecem e morrem?

Espera, espera que a tarde não tarda; não.
Traz nas mãos o que não é ferido pelo tempo e vida.
Os espinhos ferem a sua côdea, o seu beijo-abraço
que cedo quer beijar-te, prender-te à eternidade
— acorda!, pois chega com o poema onde estiveres.

E o cansaço de felicidade fenderá o Mundo de sonhos.
E os sonhos serão achadas d'Santo António plurais.
E plurais a essência da ordem prima, a raiz plana
e plena de asas — um gemido te abarca, ó Mundo.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Poema de cama - Victor Barone

(Imagem: Günter Blum)

Respiro teu perfume
em meus dedos de seda
Me alimento do teu gosto
em meus lábios crispados

Na fina pele
percebo teus gemidos
Na ponta da língua
me abasteço
de você

E o poema nasce assim,
órfão de sentidos
repleto de ti

Se esparrama
como sêmen
sobre a pele incauta

Ocupa o espaço
onde, antes,
nada.