quinta-feira, 30 de julho de 2009

INSTANTE - Carlos Drummond de Andrade

(Imagem: Frida Kahlo)

Uma semente engravidava a tarde.
Era o dia nascendo, em vez da noite
Perdia amor seu hálito covarde,
e a vida, corcel rubro, dava um coice,

mas tão delicioso, que a ferida
no peito transtornado, aceso em festa,
acordava, gravura enlouquecida,
sobre o tempo sem caule, uma promessa.

A manhã sempre sempre, e dociastuto
seus caçadores a correr, e as presas
num feliz entregar-se, entre soluços

E que mais, vida eterna, me planejas?
0 que se desatou num só momento
não cabe no infinito, e é fuga e vento.

4 comentários:

Roque Soto disse...

Fuga e vento, as veces tan necesarios como o osíxeno que respiramos.

Unha aperta

BAR DO BARDO disse...

os dois últimos versos são bastante reveladores de uma filosofia nihil...

Ines Mota disse...

A perda de ideal de referência...desenraizamento, contemplação e desalento.

lula eurico disse...

O que faz um poema como esse em um blogue que propõe o erotismo com base do conhecimento de nós próprios? O que uma coisa tem a ver com a outra?

Tudo, eu diria...

Posto que o erotismo universal perpassa o poema, que fala de vida e não de morte, pis nele uma semente engravida o fim do dia e o faz renascer, em vez da noite. Imagem poética do mais profundo erotismo, ou seja, da mais profunda energia vital. A vida, corcel rubro, acesa em festa, rebela-se, dá coices, espanta o ocaso, e se faz manhã sempre e sempre. O poeta aprisiona o instante eterno, a vida que passa, e que só cabe no espaço da palavra poética. Fora da poesia, a vida é fuga e vento.

E aqui concluo, feliz e maravilhado, com a poesia desse momento!
Saio daqui pra vida, pro Eros,
essa deliciosa fuga, e esse saboroso vento.

Abraço fra/terno.